segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O valor das palavras

Bem... Hoje me utilizo do fragmento de um texto a respeito da psicanálise freudiana para falar de um tema que sempre considerei de grande relevância e importância. O texto é de Nelson da Silva Junior[1] e foi publicado na revista Psicoterapias (edição nº 1).

“...Há algumas histórias tão boas que não importa se são ou não verdadeiras, pois, de certo modo ilustram a verdade mais fielmente do que os fatos poderiam fazê-lo. Conto então uma história sobre Sigmund Freud (1856-1939) que me foi relatada por um amigo há muitos anos...
Meu amigo assinava o contrato de aluguel de um apartamento em São Paulo quando conheceu a senhora em questão. Ao saber que ele era analista em formação, ela se apressou em dizer que era psicóloga, que tinha estudado com o psicólogo epistemólogo suíço Jean Piaget (1896-1980) e havia conhecido Freud. Segundo contou, sua tia era uma mulher muito bonita, de uns 30 anos, que já tinha procurado vários médicos devido a dores cuja causa nenhum deles havia encontrado. Com relutância, marcou uma consulta com Dr. Freud, controverso especialista em doenças nervosas de Viena. Ao encontrar o psicanalista, declarou com impertinência sua falta de confiança na psicanálise. “Se é verdade que o senhor trata só com as palavras, isso será inútil. Não acredito que meras palavras tenham poder sobre minhas dores do corpo.”
O experiente médico teria se mantido imperturbável. Perguntou sobre o que a trazia ali, quando suas dores tinham começado, onde eram, se e quando mudavam de intensidade, quais tratamentos tinha tentado, se tinha outros incômodos e também sobre sua vida em geral. Quando pareceu satisfeito, iniciou um discurso um pouco surpreendente para ambas:
“Vejo que a senhora, apesar dos males que a afligem, é de rara beleza. Isso não deve ter lhe escapado, uma vez que, imagino eu, não devem ser poucas as expressões de admiração e as conseqüentes investidas dos cavaleiros de nossa cidade. Sua pele é de uma textura extremamente delicada e saudável”. Nisso se levantou, pegou um espelho que mantinha preso no ferrolho da janela e o aproximou da dama, oferecendo a imagem da qual falava à jovem senhora, visivelmente lisonjeada. “Observe! Trata-se mesmo de uma beleza pouco comum, algo oriental, com grandes olhos negros e ligeiramente oblíquos”... Completou o elogio com uma espécie de apoteose ao momento sublime que aquele rosto capturava. “Observe minha senhora, e não se esqueça jamais desse momento. Ele é a própria imagem do ápice da beleza feminina encarnada em um roto simplesmente perfeito!” Nisso, com efeito, a expressão da jovem havia se transformado. Seus olhos brilhavam, seu rubor saudável indicava uma felicidade vivaz e satisfeita. Ela estava simplesmente exuberante e deliciada com o que via.
“Contudo”, continuou com outro tom de voz, “se examinarmos com cuidado, será possível notar que os primeiros sinais da velhice já se anunciam sutilmente”. “Veja bem”, disse aproximando o espelho do olhar hesitante da jovem. “Um pequeno, mas indisfarçável reticulado se irradia dos cantos das pálpebras e dos lábios...” A angústia da moça ao confirmar aquelas marcas as sulcava um pouco mais. Dr. Freud tinha experiência detectar os sinais mínimos de perturbação interior. Bastou que indicasse as poucas irregularidades da pele para que as lágrimas brotassem dos olhos baços da infeliz. “Talvez o que vê agora seja meramente fruto de sua aflição diante da verdade: que nosso melhor tempo é como um só dia de sol antes de um longo inverno de decadência contínua.” Nisso, a jovem senhora já contemplava outra imagem. Seu nariz e olhos, inchados com o choro, e a fronte, avermelhada com a tensão, de fato pareciam confirmar a profecia do médico. Foi então que seu tom de voz de novo mudou e assumiu um ar benevolente e carinhoso. “A senhora se recorda do rosto divino que viu há pouco nesse mesmo espelho?” Ela acenou afirmativamente com a cabeça, incapaz de falar. “Pois bem, minha senhora, ele se transformou na imagem que vê agora apenas com o poder das palavras!”
Essa curta e mítica história nos serve para apresentar o problema que ocupou Freud ao longo de sua produção da teoria e da clínica psicanalíticas: é evidente que as palavras têm o poder tanto de curar quanto de adoecer uma pessoa...”
Por isso... Cuidado com as palavras proferidas a você ou aos outros... Utilize-as para promover saúde e felicidade intra e interpessoalmente e não o contrário ;) .







[1] Nelson da Silva Junior é psicanalista e doutor pela Universidade de Paris VII. Professor livre-docente do departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), professor visitante da Université de Bretagne Occidentale, professor do curso de psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. Membro do departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanpalise e da Associação Universitária de Pe3squisa em Psicopatologia Fundamental. Autor dos Livros Le fictionnel em psychanalyse. Une étude à partir de l’oeuvre de Fernando Pessoa (Presses Universitaires du Septentrion, 2000) e Linguagens e pensamento. A lógica na razão e desrazão (Casa do psicólogo, 2007).

Um comentário:

  1. palavras podem fazer uma grande explosão assim como podem te satisfazer de tal forma que deveria ser denominadada como uma "droga".

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